O diurético na IC em 2023: vilão ou herói?
Quinta-feira, 09 Fevereiro 23 10:35
Dr.ª Doroteia Silva
Cardiologia
O diurético na IC em 2023: vilão ou herói?
Quinta-feira, 09 Fevereiro 23 10:35
“Vilão ou herói?” é a pergunta à qual a Dr.ª Doroteia Reis dá resposta no artigo de opinião sobre o papel do diurético na insuficiência cardíaca. Leia e fique a par de dados, estudos e novidades científicas.
Sabemos, desde há vários anos, que a congestão (em oposição ao baixo débito) é o principal problema na insuficiência cardíaca aguda, sendo responsável por cerca de 90 % dos internamentos hospitalares, de acordo com os últimos registos europeus. Por outro lado, congestão persistente à data da alta hospitalar associa-se, de forma definitiva, a mau prognóstico, sendo um forte preditor de reinternamento hospitalar e mortalidade por insuficiência cardíaca (IC) a curto prazo. Apesar disso, diagnosticar e tratar eficazmente congestão mantém-se um desafio clínico atual.
Em relação ao diagnóstico, a acuidade de vários sinais clínicos habitualmente utilizados por nós é comprovadamente baixa e urge associar ao diagnóstico clínico outros métodos diagnósticos de congestão. Neste campo, a ultrasonografia (cardíaca, torácica, venosa) tem tido um papel crescente no diagnóstico objetivo da congestão (intravascular e intersticial) e é, a meu ver, um (atual) standard of care, a par dos já muito utilizados biomarcadores e radiografia do tórax. Adicionalmente, sabemos que a congestão é um processo heterogéneo, com mecanismos fisiopatológicos e gravidade diferentes, de acordo com o doente individualmente considerado. Portanto, é obrigatório fenotipar o doente e individualizar a abordagem da congestão. As guidelines europeias de IC (2021) definem os quatro perfis clínicos de insuficiência cardíaca aguda e vão de encontro a este racional fisiopatológico.
Os diuréticos são, em 2023, pedra basilar do tratamento da congestão e disto assim, são heróis. No entanto, obviamente, se usados de forma não adequada, agravarão a função renal, promoverão hipotensão e não nos permitirão titular os fármacos que comprovadamente modificam o prognóstico da IC, nomeadamente os inibidores do eixo renina-angiotensina, os antagonistas dos recetores mineralocorticoides e os inibidores SGLT2. Assim sendo, os diuréticos são essenciais para o tratamento da congestão, devendo ser utilizados nas doses mínimas que permitam atingir o peso seco do nosso doente, quer por avaliação clínica, quer por avaliação com recurso às ferramentas a que me referi previamente (ultrasonografia, biomarcadores, radiografia do tórax).
Apesar de serem amplamente utilizados na prática clínica, existe pouca evidência científica robusta que nos oriente na gestão diária do diurético, dispondo nós essencialmente de opiniões e fluxogramas que derivam das opiniões de perito. O último ano trouxe-nos, no entanto, algumas novidades científicas.
O estudo CLOROTIC (Trulls et al.) comprovou a eficácia diurética e segurança da hidroclorotiazida oral (durante cinco dias) na descongestão do doente com insuficiência cardíaca aguda, cronicamente medicado com furosemida oral. Não se verificaram diferenças nas taxas de reinternamento ou mortalidade aos 90 dias, destacando-se apenas ligeiro agravamento de creatinina (0,17 mg/dL) e da hipocaliemia (K≤ 3,0 mmol/L) no grupo de doente que fez hidroclorotiazida.
O estudo ADVOR (Mullens et al.) comprovou a eficácia diurética e segurança da acetazolamida IV (500 mg) em doentes com insuficiência cardíaca aguda, cronicamente medicados com furosemida oral. Neste estudo, houve redução do tempo de internamento em um dia no grupo de doentes que fez acetazolamida, no entanto as taxas de reinternamento ou mortalidade não diferiram entre os grupos.
Finalmente, o estudo EMPULSE (Voors AA et al.) avaliou o benefício da empagliflozina na insuficiência cardíaca aguda. Para além do benefício na descongestão [avaliada clínica e laboratorialmente (BNP)], houve benefício na redução do endpoint composto de morbi-mortalidade aos 90 dias.
Várias perguntas subsistem e mantém-se a necessidade de mais estudos prospetivos, controlados e aleatorizados, nesta temática. Qual a melhor forma e o timing ideal de utilizar a combinação diurética? Qual é a melhor forma de avaliar a eficácia diurética? Haverá benefício prognóstico de titular diurético de acordo com débito urinário horário ou a excreção de sódio urinário, como nos sugerem as guidelines de insuficiência cardíaca de 2021? Quais os objetivos a alcançar na descongestão? Há lugar a outras formas de administração do diurético, além da forma endovenosa? A transição dos cuidados hospitalares para os cuidados domiciliários é uma realidade atual também no campo da IC e, assim sendo, a administração subcutânea do diurético (nomeadamente da furosemida) é uma mais valia essencial.
Concluo, reforçando que, em 2023 o diurético é um herói quando utilizado de forma correta, isto é, objetiva e personalizada.