Alterações climáticas, poluição e doenças cardiovasculares: “É uma realidade que temos de enfrentar”

Prof. Doutor Hélder Dores

Cardiologia

Alterações climáticas, poluição e doenças cardiovasculares: “É uma realidade que temos de enfrentar”

A relação entre as alterações climáticas e a poluição com a doença cardiovascular é uma realidade que temos de enfrentar, alerta o Prof. Doutor Hélder Dores, explicando que esta é uma preocupação patente no plano de ação da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC). Além disso, reforça ainda que esta consciencialização e ação urgente deve ser responsabilidade de todos. Leia o artigo de opinião.

O aumento progressivo de fenómenos meteorológicos extremos, tais como secas, ondas de calor e incêndios, com impacto direto e indireto na saúde é inquestionável, constituindo uma grande ameaça ao futuro da humanidade. Várias organizações, nomeadamente a Organização Mundial de Saúde (OMS), têm reportado dados alarmantes que sustentam a relação entre as alterações climáticas e o desenvolvimento de várias doenças, salientando-se as cardiovasculares, a principal causa de morte em termos globais, responsáveis por aproximadamente 30 % dos óbitos em Portugal. Está descrita uma relação típica de “curva em U” entre a temperatura e a ocorrência de eventos cardiovasculares e estima-se que o aumento de 1ºC na temperatura aumenta em 2 % o risco destes eventos. Se não fizermos nada, as estimativas, pouco animadoras para as próximas décadas, irão confirmar-se. É essencial impedir o aumento da temperatura para prevenirmos as catástrofes ambientais e as complicações relacionadas com a saúde.

A poluição, sobretudo atmosférica, também está associada ao aumento do risco de doenças cardiovasculares, havendo uma relação bidirecional com as alterações climáticas. Por tudo isto, a poluição já é considerada um fator de risco cardiovascular nas últimas recomendações da European Society of Cardiology para prevenção da doença cardiovascular. Várias revisões reportam uma relação significativa da poluição com doença coronária, acidente cerebrovascular, insuficiência cardíaca e morte cardiovascular. Os mecanismos são complexos, mas a inflamação, a translocação de partículas com deposição vascular e a desregulação do sistema nervoso autónomo são os mais descritos. O impacto para a saúde não é semelhante em todas as pessoas, sendo mais suscetíveis os idosos e aquelas com doenças crónicas, nomeadamente cardiovasculares.

Mudar este paradigma é crucial, com intervenções a nível individual e populacional. Desta forma será possível reduzir o impacto de alguns destes fatores, potencialmente modificáveis, no desenvolvimento e na progressão da doença cardiovascular. Alcançar as metas do Acordo de Paris, ou seja, a neutralidade nas emissões de carbono e uma política de carbono zero em meados deste século seria muito importante. Deverão ser criadas equipas multidisciplinares que definam estratégias e discutam as políticas de saúde relacionadas com o ambiente. Um aspeto essencial, como infelizmente em muitas outras áreas da saúde, é melhorar a literacia da população. A aposta na prevenção, também frequentemente esquecida em termos transversais, é também fulcral. Melhorar a qualidade do ar, continuando a reduzir o tabaco e o tráfego automóvel, bem como efetuar a sua monitorização nos espaços públicos terá sem dúvida um impacto favorável. As nossas cidades devem ser mais seguras em termos ambientais e as nossas casas estar mais adaptadas ao aumento da temperatura. Nos cuidados de saúde devem ser fornecidas recomendações básicas e precisas aos indivíduos com maior risco, como a otimização da hidratação, a redução da exposição solar e o eventual ajuste da medicação crónica. Controlar os fatores de risco cardiovascular clássicos através de medidas que incentivem a adoção de um estilo de vida saudável assume neste contexto relevância acrescida. É também importante combater o desperdício, incluindo na área da saúde, incentivar a reutilização e a reciclagem, bem como a poupança de água e a escolha de alimentos que não impliquem gasto imensurável de energia na sua produção e confeção.

A direção da SPC para o biénio 2021-2023 elegeu esta temática como uma das principais linhas de ação, resultando em diversas iniciativas, nomeadamente dois position papers, nos quais se analisa e discute a evidência científica que sustenta a relação entre alterações climáticas e poluição com as doenças cardiovasculares. Além disso, o recente Fórum da SPC “Alterações climáticas, poluição e doença cardiovascular – Call to action”, que juntou vários especialistas nas áreas da saúde e do ambiente, permitiu debater o impacto global das alterações climáticas e da poluição na saúde cardiovascular, resultando em várias ideias e propostas que poderão melhorar este paradigma no futuro.

Não podemos ser derrotistas, mas temos de agir rapidamente. Tanto individual como coletivamente devemos assumir as nossas responsabilidades porque só há uma Terra!


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