“A comunidade médica está muito sensível para toda a inovação que se traduza em benefício clínico inequívoco”

Dr.ª Gabriela Sousa

Oncologia

“A comunidade médica está muito sensível para toda a inovação que se traduza em benefício clínico inequívoco”

Desde a ASCO de 2022, onde foram apresentados de forma entusiástica dos resultados do ensaio clínico DESTINY-Breast04, até à data que cancro da mama HER2 Low tem suscitado questões que agitam positivamente a comunidade médica e científica, obrigando a uma maior colaboração entre os profissionais para identificar corretamente os doentes que beneficiarão do tratamento com anticorpos conjugados, tendo estes demonstrado eficácia na doença metastizada. Estas e outras ideias elabora a Dr.ª Gabriela Sousa, diretora do Serviço de Oncologia Médica, do IPO de Coimbra, em entrevista cedida à Médico News.

Médico News (MN) | Considera o Her2low uma nova entidade no cancro de mama?

Dr.ª Gabriela Sousa (GS) | O Cancro da Mama HER2 low representa um subgrupo de cancro da mama que agora merece uma atenção especial porque temos um tratamento específico. É definido como o cancro da mama com HER2 determinado por Imunohistoquimica (IHC) 1+ ou 2+ com hibridização in situ (ISH) negativa, ou seja, sem amplificação genética HER2.

Assim, não consideraria uma nova entidade, dado que a expressão do HER2 deve ser considerada como um contínuo, mas este grupo de HER2 Low deve estar devidamente caracterizado e individualizado, dado que poderá ter formas diferentes de abordagem terapêutica, sobretudo ao nível da doença avançada.

 

MN | Qual a importância, em termos de prognóstico para o doente, de termos uma nova abordagem à classificação histológica como o Her2low (IHC 1+ ou IHC 2+/ISH-)?

GS | Em termos de prognóstico, poderemos dizer que o HER2 low estará entre os HER2 positivos (HER2 3+ ou 2+/ISH+) e o HER2 negativo (IHQ 0).

O Cancro da mama HER2 positivo tem uma abordagem terapêutica completamente diferente, com terapêutica alvo, o que tem mudado a história natural desta entidade específica, com aumento muito significativo das taxas de “cura” e da sobrevivência global.

Atualmente, os doentes com cancro da mama HER2 Low podem ter a expetativa de ver a sua esperança média de vida aumentar, tal como aconteceu nos HER2 positivos, se for possível beneficiarem de tratamentos específicos, que aumentem a probabilidade de controle da doença avançada e respetiva sobrevivência. Até ao momento atual, este grupo de doentes era tratado como HER2 negativo, sem uma abordagem específica.

 

MN | Tendo como base estes doentes, qual a importância dos resultados de fase III do Destiny Breast 04 para o doente de cancro de mama em contexto metastático?

GS | O Estudo Destiny Breast 04 veio revolucionar a forma como vamos tratar este grupo de doentes.

O uso de um medicamento (trastuzumab deruxtecano), que é um anticorpo monoclonal conjugado com quimioterapia, veio demonstrar eficácia no tratamento de doentes com doença em contexto metástico HER2 Low, revelando-nos que basta existir alguma expressão membranar do recetor HER2 para que este fármaco possa entrar nas células tumorais e através do seu efeito “by stander” estender às células vizinhas o seu potencial efeito deletério e eliminar células malignas.

Efetivamente no Estudo Destiny Breast 04 os doentes tratados com trastuzumab deruxtecano tiveram um benefício inequívoco ao nivel de todos os parametros de eficácia. Destaco o aumento da OSm (Sobrevivência Global) na população global que foi muito expressivo: 23,4 meses vs 16,8 meses, com uma redução do risco de morte de 36%, benefício também verificado no aumento da taxa de resposta e na PFS (sobrevivência livre de progressão).

Também importante foi ter-se verificado que este benefício é consistente em todos os subgrupos pré-especificados: Expressão de Recetores Hormonais, tratamento prévio com CDK4/6i, número de quimioterapias anteriores e estado de IHC 1+ e IHC 2+/ISH-.

 

MN | Na sua vasta experiência clínica qual a vantagem de tratar os doentes de cancro da mama com (ADC)? Considera esta classe mais eficaz em doentes de CMa? Espera o mesmo no CMa HER2low?

GS | Os ADC (Anticorpos fármaco conjugados) constituem um enorme avanço científico no tratamento do cancro. São moléculas que conjugam quimioterapia e que conseguem guiar a ação da quimioterapia apenas em determinadas células, reduzindo o seu efeito tóxico nos tecidos normais, o que aumenta muito o nivel de segurança destes fármacos, reduzindo claramente os efeitos secundários associados à quimioterapia dita “clássica”.

Têm vindo a revelar eficácia no tratamento da doença avançada e progressivamente estão a ser estudados para o tratamento de fases mais precoces da doença.

Na prática, a experiência com estes fármacos tem sido mais generalizada no tratamento do cancro da mama HER2 positivo. Contudo, atualmente já temos anticorpos conjugados a serem utilizados no cancro da mama triplo negativo e mais recentemente neste subgrupo do cancro da mama HER2 low. A minha expetativa é que efetivamente, a prática nos revele que este subgrupo de doentes possa beneficiar de novas terapêuticas, que não sendo alvo-específicas, sejam eficazes no controle de doença por novos mecanismos de ação.

 

MN| O trastuzumab deruxtecan foi aprovado pela Agência Europeia do Medicamento em monoterapia para o tratamento de cancro da mama HER2-low (IHC 1+ ou IHC 2+/ISH-) irressecavél ou metastático, o que acha que irá mudar?

GS | Claramente irá mudar a exigência da classificação molecular do cancro da mama, ao nivel da determinação do HER2 que antes desta aprovação poderia ser aceite, como positivo ou negativo, e atualmente esta dicotomia não serve: tem que ser caracterizado e quantificado a expressão membranar do HER2.

Na prática clínica, e sempre que tivermos que instituir tratamento numa doença avançada, vamos ter em consideração a expressão de HER2, mesmo que baixa, dado que apenas ficarão excluídos deste tipo de tratamento o Cancro da Mama sem qualquer expressão de HER2 (IHQ: 0)

 

MN | Na sua opinião clínica, o que significa, nos dias de hoje, a abordagem terapêutica a HER2low? Em termos de prognóstico como se traduz esta nova classificação histológica?

GS | Significa termos mais uma opção de tratamento que aumenta a sobrevivência dos doentes através do melhor controle clínico da doença, com impacto positivo na qualidade de vida. Como já referido e esta é uma questão muito importante, em situação de doença avançada, é muito relevante o perfil de efeitos secundários. Estamos a falar do equilibrio entre o risco vs o benefício relativamente à tolerabilidada ao tratamento.

 

MN | O que esperar desta nova terapêutica para esta nova classificação no futuro? E como acha que a classe médica a irá incorporar?

GS | A incorporação destes fármacos no tratamento médico do cancro é algo que vai acontecer de acordo com as respetivas aprovações pelas entidades regulamentares.

A comunidade médica está muito sensível para toda a inovação que traduza benefício clínico inequivoco e será facilmente introduzida na prática clínica.

Os clínicos vão exigir mais dos anatomo-patologistas, na medida em que será necessário a informação de todo o espetro de expressão do recepetor HER2, e não apenas como já referido, de forma dicotómica ou destacando apenas os HER2 positivos. Esta informação já era disponibilidada pela maioria dos laboratórios de anatomia patológica e agora torna-se essencial.

 

MN| Ou na sua opinião poderá ser mais no sentido de combinar terapêuticas que já existem?

GS | A combinação de tratamentos pode ser muito atrativa no sentido de aumentar a eficácia do tratamento, diminuindo a possibilidade de resistência da doença, mas tem sempre o senão dos efeitos secundários associados e a própria toxicidade financeira que nao será desprezível.

Há várias estratégias em investigação e os resultados desses estudos é que farão alterar a prática clínica de acordo com o benefício demonstrado.

 


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