O potencial terapêutico e o futuro do transplante de sangue do cordão umbilical
Terça-feira, 10 Janeiro 23 11:05
Prof. Doutor Luis Madero
Hematologia
,Oncologia
O potencial terapêutico e o futuro do transplante de sangue do cordão umbilical
Terça-feira, 10 Janeiro 23 11:05
Em 1988, um acontecimento mudaria para sempre a forma como olhávamos para o nosso corpo e para o momento do nascimento: um transplante de células-tronco do sangue do cordão umbilical, realizado pela Dr.ª Eliane Gluckman, em França, que salvou a vida de um menino que lutava contra a Anemia de Fanconi. Desde então, há já 34 anos, médicos em todo o mundo começaram a explorar as possibilidades de usar esta nova fonte de células-tronco não controversas. Todos os dias, em várias partes do mundo realizam-se transplantes de células estaminais com origem no sangue do cordão umbilical. Para discutir os avanços mais significativos até hoje e as perspetivas futuras mais promissoras das terapias com células estaminais, entrevistámos o Prof. Doutor Luis Madero, responsável pelo Serviço de Hemato-Oncologia Pediátrica no Hospital Quirónsalud-Madrid e consultor científico do laboratório português de células estaminais BebéVida.
De acordo com a Cord Blood Association, associação internacional com a missão de promover os bancos de células estaminais e a utilização deste material biológico, até à data já se realizaram mais de 60 mil transplantes de sangue do cordão umbilical em todo o mundo, visando tratar mais de 80 doenças potencialmente fatais, incluindo doenças hemato-oncológicas, como leucemia, linfomas e anemia falciforme.
As células estaminais provenientes do sangue do cordão umbilical têm-se revelado promissoras no tratamento do VIH e no campo da Medicina Regenerativa. Vários estudos têm sido feitos para avaliar as potencialidades no tratamento do autismo, diabetes, acidente vascular cerebral, lesão medular, lesão cerebral, entre outras patologias.
Questionado sobre o significado da distinção atribuída pela revista Forbes como um dos melhores médicos de Espanha e um dos seis melhores na área da Oncologia, o Prof. Doutor Luis Madero respondeu: “Todos os reconhecimentos profissionais são agradáveis quando se tem uma vida profissional dedicada ao tratamento do cancro e que, de alguma maneira, se refletiu em alguns dos sucessos que foi possível atingir e que se destacam da generalidade dos tratamentos e das terapias avançadas que se fazem às crianças doentes. Dá uma grande satisfação.”
Relativamente à origem do primeiro transplante de sangue do cordão umbilical e sobre o potencial que esta terapia inovadora acrescentou, o Prof. Doutor Luis Madero esclareceu: “Nós começámos esse tratamento, que consistia em fazer transplante de sangue do cordão, depois de percebermos e compreendermos que o sangue do cordão umbilical servia podia tratar doentes com doenças hematológicas.”
Em 1994, quando aplicámos o transplante de cordão para um doente com imunodeficiência, verificámos que, muitos anos depois, o doente ficou curado”, recordou, admitindo que, “quando aplicada esta técnica com sucesso em doentes com oito, dez meses, como aconteceu naquele caso, sentimos uma grande satisfação, porque também constatamos que uma técnica descrita para doentes muito específicos pode resolver problemas graves”.
Em relação aos riscos inerentes e benefícios desta técnica, esclareceu que, “desde a data em que se realizou o primeiro transplante, constatámos que o sangue do cordão se afirmou como uma fonte alternativa de tratamento ao transplante tradicional da medula óssea, muito usada em muitos lugares do mundo”.
Constatou ainda que “muitos transplantes do cordão foram já realizados em Pediatria, uma vez que os cordões podem reconstituir medulas ósseas de pesos mais pequenos e, para nós, esta constitui uma técnica assistencial, que se realiza em muitos hospitais do nosso país de uma maneira sistemática e adequada”.
“O êxito, entre os que conseguem sobreviver com algum problema, situa-se nos 70-80 %, dependendo da doença”, precisou. “Claro que seria melhor que a intervenção realizada em todos os doentes fosse precisa no sucesso, mas, para isso, é importante que a inoculação e o cordão que usamos esteja nas melhores condições possíveis, quer em relação ao número de células-mãe quer em relação ao volume”, clarificou. Portanto, “há muitos aspetos que poderiam ser melhoradas e que, por certo, se melhorarão, permitindo assim que, nos próximos anos, o processo possa atingir uma taxa de sucesso de cerca de 100 %”.
Fazendo uma apreciação global da evolução desde o primeiro transplante de sangue do cordão umbilical há 34 anos até hoje, o Prof. Doutor Luis Madero considerou que “se aprenderam muitas coisas. Por exemplo”, concretizou, “aprendeu-se que o cordão umbilical é benéfico para as doenças constitucionais, as doenças hematológicas, as imunodeficiências e algumas doenças genéticas de que sofrem as crianças. Com cordões que têm muitas células é uma muito boa opção. Na prática, procuramos, como primeira opção para esse doente, realizar um transplante HLA alogénico, ou seja, de um irmão HLA idêntico e, portanto, completamente compatível”.
“Nesses casos”, elaborou, “a percentagem de cura é de quase 100 %. Assim, em algumas doenças como talassemia, drepanocitose, anemia de Fanconi pode equacionar-se o uso de outra técnica, uma alternativa que se chama diagnóstico genético pré-implantacional. Se as mães concordarem e se estiverem em idade fértil, darão à luz uma criança que tenha um cordão que seja compatível e que, por sua vez, não tenha a doença de que padece o seu irmão. Recuperando esse embrião, quando nasce a criança, pode-se recolher o cordão e, pouco tempo depois, fazer o transplante. Em doenças como a anemia de Fanconi e, de acordo com o que descobriu a Dr.ª Eliane Gluckman, podem obter-se, deste modo, resultados extraordinários”.
Incidindo particularmente sobre a evolução do procedimento do transplante, o Prof. Doutor Luis Madero detalhou: “Mudou sobretudo a terapia de suporte: a terapia anti-infecciosa, a terapia da doença contra hospedeiro, a nutrição do doente, os cuidados, tudo isso é claramente melhor do que nos anos 90. Por isso, também, tem aumentado a taxa de sobrevivência desde que se iniciou essa técnica, que começou por não ser superior a 50-55 %. Agora, quando se fazem transplantes de irmãos HLA idênticos a taxa de sobrevivência atinge 80 %”.
Sobre o potencial no tratamento do VIH, autismo e até na diabetes, o Prof. Doutor Luis Madero considerou que “os sucessos da terapia celular não foram tão importantes como os que se alcançaram no campo dos transplantes, por muitas e diferentes razões de toda a índole, mas sobretudo por razões de natureza económica. A realidade é que, quando se concretizam ensaios clínicos, vemos resultados relacionados com a regeneração e o potencial anti-inflamatório que tem o sangue do cordão, a possibilidade de neuro-regeneração em doenças neurológicas”. Porém, admitiu, “na realidade não progredimos tanto quanto desejávamos, sobretudo por limitações económicas”.
“Quando fazemos terapia celular ou terapia regenerativa”, reiterou, “a parte económica é o fator limitante, porque não é muito atrativo para a indústria farmacêutica; as autoridades científicas ou de investigação têm outras prioridades. Assim a terapia regenerativa, que tem dado tão bons resultados na parte pré-clínica ou clínica inicial, não se desenvolve tanto. No autismo, na paralisia cerebral, na doença de Alzheimer e diabetes também a terapia celular pode resultar, mas tem um custo económico que é preciso avaliar”.
Passando a comentar as unmet needs nos transplantes do cordão umbilical, o Prof. Doutor Luis Madero referiu que “nos transplantes do cordão umbilical há que melhorar alguns pontos, no que se refere ao suporte que é necessário assegurar. Quer isto dizer que importa que os doentes recuperem imunologicamente antes do transplante e que não contraiam infeções para se alcançar uma taxa de cura muito elevada”.
“Além dos problemas das doenças hematológicas do transplante e terapia celular, esta terapia poderia ser usada para tratar doenças oncológicas e reumatológicas, o que requer investigação, ou seja, são precisos ensaios clínicos bem desenhados, bem centrados e, para tal, um investimento económico que assegure o seu desenvolvimento. Ora como nem sempre isso acontece, não os fazemos. Como não o fazemos não podemos demonstrar o que queremos e o que conseguimos é insuficiente”, adicionou.
Na sua opinião, “as autoridades governamentais devem perceber e aceitar que a terapia celular é uma muito boa linha de investigação e que, por isso, devem investir economicamente para que se possa fazer investigação e ensaios clínicos para chegar a resultados que beneficiem todos os ramos da Medicina”.
Finalmente, como notas finais, o Prof. Doutor Luis Madero insistiu que “o transplante do sangue do cordão a partir de um irmão HLA idêntico tem resultados excecionalmente bons e que é um procedimento que se utiliza em muitos lugares do mundo, mas é preciso investir mais dinheiro para fazer mais ensaios clínicos”.